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Discurso histórico de Renan Calheiros sobre os golpes e suas consequências
Segue o texto, sem revisão do autor, coletado da fala do Senador Renan Calheiros (MDB/AL) proferido em 17 de dezembro de 2025, quando da votação do PL da Dosimetria, no plenário do Senado Federal:
O Golpe de 1964, idealizado fora, foi chancelado neste plenário, infelizmente. A voz sepulcral de Auro de Moura Andrade proclamou do alto desta Casa a vacância presidencial, uma mentira histórica. O Presidente João Goulart estava em território nacional articulando uma reação aos traidores da Nação. Apenas 178, dos 460 parlamentares, ouviram, presencialmente, que a nação estava acéfala. A heresia golpista sangrou milhões de brasileiros e atormentou gerações até o início da redemocratização, com Tancredo Neves e José Sarney e a Nova República em 1985.
Em uma das quatro vezes que tive a honra de presidir esta casa, anulamos aquela sessão da madrugada de 2 abril de 1964. Repor a verdade é uma imposição histórica. Anular aquela farsa representou a exumação da própria história. Recusamos uma falsidade e nos reencontramos com a verdade. A versão, calçada na mentira, é efêmera e inconsistente, já a verdade é eterna e sólida, com ensinou Francis Bacon: “A verdade é filha do tempo, não da autoridade”. A história da história não tem ponto final, especialmente se ela foi forjada na falsidade e, nesse caso, ela sempre será reescrita. O passado não se muda, o futuro sim.
A ditadura enfiou o Brasil na censura e no colapso econômico. Matou, exilou, cassou e a mão amiga baixou a porrada no próprio povo. Perguntem a Dilma Roussef, perguntem a Miriam Leitão, perguntem à família de Rubens Paiva. Eles e muitos outros ainda estão aqui. Os desaparecidos não mais. Para os esquecidos, relembro: o golpe fechou esta Casa quatro vezes. O Parlamento foi amordaçado em 27 de outubro de 1965, com o Ato Institucional Número 2; em 20 de outubro de 1966, quando Castelo Branco decretou recesso por um mês; em 13 de dezembro de 1968, o marechal Costa e Silva baixou o famigerado AI 5. O último a lacrar o parlamento foi o Ernesto Geisel, em 1977, com o "Pacote de Abril” para reverter o crescimento do MDB. No pacote indigesto estavam os senadores biônicos e eleições indiretas para governadores. O caminho maldito, como qualificou Ulysses Guimarães. Conhecemos e repudiamos.
Apesar deste legado maldito, eles tentaram de novo no 8 de janeiro, o dia da infâmia. Milhares de anônimos, massa de manobra, estão condenados. Agora, os cabeças começam a pagar pela tentativa de ruptura. Além de diálogos repulsivos, há uma fartura de provas, vídeos, áudios, mensagens, documentos, minuta de golpe, planos de fuga, dinheiro financiando a trama para perpetrar o golpe, assassinar pessoas, anular uma eleição legítima e tomar o poder à força. Métodos e milicianos que estão sendo condenados pelo Judiciário. Os atos para o golpe – preparatórios e executórios - são indesmentíveis. Ele não prosperou porque Exército e Aeronáutica desembarcaram.
A Democracia assegura os mesmos diretos aos conspiradores. Seus inimigos contam com as mesmas salvaguardas, mesmo após tentarem abolir a Democracia. As investigações e a ações penais ocorrem dentro das competências do STF, nada além, nada aquém. Foi respeitado o direito de defesa, o contraditório e os juízes são imparciais. Se o vitimismo não colou, foi exatamente por abundância de provas. A convulsão que esperavam, na tentativa de coagir o Judiciário, fracassou. Para pressionar a Justiça foi usada até injustificadas sanções externas a ressuscitar um viralatismo incompreensível. Não colou também. As sanções já revistas expuseram uma horda de traidores da Nação.
Fracassados os meios anteriores, ensaiaram uma conspiração aqui dentro, como 1964. Um novo golpe parlamentarizado pretendendo anistiar geral. Perderam nas urnas, nas ruas, na Justiça e serão derrotados novamente, como o foram na PEC da bandidagem. Inocentes imploram por Justiça, condenados choram por anistia. Essa premissa é esclarecedora. As Polianas que invocam pacificação onde não há conflagração - se esquecem que o perdão aos facínoras de 64 gerou os golpistas atuais.
O que pacifica o País é golpista cumprir pena. Não as cadeias de rádio e TV para insuflar a nação contra as instituições, mas as cadeias do sistema prisional. O divórcio da sociedade é tão surreal que testemunhamos os criminosos querendo ditar a lei. Os apenados querem escolher as próprias penas. Onde os criminosos ditam as leis, não há justiça e os todos os atos institucionais da ditadura foram pedagógicos. Um presidiário, que reconheceu o planejamento do golpe, deputados foragidos tentaram coagir o presidente desta Casa, intimidando o poder como fizeram com o Supremo. Desde quando golpistas têm legitimidade para mediar acordos de anistia ou dosimetrias? Seria o acordo da guilhotina com a cabeça. Se for, a nossa estará à prêmio.
Para golpistas não há perdão judicial, não há anistia congressual ou indulto presidencial. Além de inconstitucional é imoral e rejeitada pela sociedade. Perdão ou atenuantes a golpistas debilita a Democracia, atrofia a eficácia do Poder Judiciário, pune a sociedade que obedece às leis e estimula novas tentativas de sequestrar o Estado pelos projéteis e não pelos projetos. Qual seria a mensagem para as Forças Armadas, aos oficiais legalistas que cumpriram a Constituição? Qual o recado para a Polícia Judiciária que fez uma investigação minudente e conclusiva? Por qualquer abordagem, atenuantes beneficiam uma pessoa e seus cúmplices. Estamos falando dos 141 terroristas presos, anônimos que não recebem visitas de parlamentares? Certamente não.
Vamos abrandar para os extremistas que depredaram os três poderes? Vamos perdoar terroristas que iriam explodir o aeroporto de Brasília e matar inocentes? Vamos esquecer o “sniper” que tinha o ministro Moraes na mira? Perdoar quem, armada, perseguiu adversários pelas ruas? Libertar quem trocou tiros e jogou granadas na Polícia Federal? Amenizar para os conspiradores do Punhal Verde e Amarelo? Esquecer o sequestro do estado e a Abin paralela para perseguir adversários? Aliviar àqueles que foram corrompidos para forjar relatórios fajutos sobre as urnas? Esquecer os que planejavam até campos de concentração? Vamos cometer esta insanidade e afrontar o Poder Judiciário e suas decisões? Premiar o crime e soltar os criminosos? Com o meu voto e o meu silêncio, jamais. A discussão é sobre criminosos extremistas e crimes irremissíveis. Esta pauta não pertence mais a política, mas a polícia.
A anistia ou dosimetria é anomalia e não são agendas da sociedade. As pesquisas mostram a desaprovação e as manifestações expressivas das ruas confirmaram a suprema rejeição. A sociedade exige punição e demonstra baixa empatia com aqueles que defendem perdão a criminosos. Não há perdão ou abrandamento possível para crimes contra a Ordem Constitucional e o Estado Democrático de Direito. O mandamento constitucional é inequívoco. A jurisprudência está pacificada no STF, desde maio de 2023, no caso do indulto presidencial conferido a um deputado, depois de condenado por atentar contra a Democracia. O regimento do Senado Federal confere ao presidente da Casa a faculdade de arquivar propostas inconstitucionais no artigo 48, inciso 11.
Além das sanções penais, temos que agravar as punições no Brasil e não atenuar. Precisamos abordar este tema sob ótica a perda da cidadania para quem atentar contra a Ordem Constitucional e o Estado Democrático e trair a Nação. Há uma fartura de bases legais para enterrar estas excrecências brotadas das cabeças mais febris do extremismo. Como na PEC da bandidagem, acredito que o Senado vai, mais uma vez, enterrar este resíduo autoritário na cova mais profunda da insignificância. A PEC da bandidagem blindaria os crimes futuros. A anistia ou dosimetria servem para os crimes já consumados. Trata-se igualmente de impunidade, a pretérita e a futura.
As cenas ditatórias na Câmara dos Deputados correram o mundo. Agressão e expulsão de jornalistas, censura das transmissões e truculência contra um deputado eleito. Somos o começo de um sonho democrático permanente, não os remanescentes de um pesadelo golpista. Vamos olhar nosso passado escuro para iluminar o futuro. Atenuar penas é emitir a duplicata do golpe, para não mencionar os incorrigíveis vícios e absurdos da proposta vinda da Câmara. Para reduzir penas não precisa de lei nova. Ela já existe e se chama Lei de Execução Penal. Pelo artigo 126, a cada 12 horas de estudo e 3 dias de trabalho, um dia a menos de pena. Pode parecer uma nova punição para quem nunca trabalhou ou estudou. Que dediquem seus dias lendo sobre a democracia.

