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Recordações de Mangabeiras na Toca do Calango
Sexta-feira, 13, foi um dia de sorte. Bella e Rafa firmaram casamento em solenidade familiar realizada na Toca do Calango, em Jaraguá, neste setembro de 2024. Evento que me provocou lembranças pessoais e comparações com mais de 50 anos de distância entre um tempo e outro.
CONVITE EMOCIONANTE
Tive a honra de ser convidado a fazer uma caricatura do casal, desenho destinado à capa de um livreto em cordel produzido para marcar aquele momento. A poesia, cordelizada de acordo com as melhores tradições nordestinas, foi composta por Tiago Mochileiro (@tiagosilvamochileiro); o design gráfico é de Cícero Rodrigues (@cicer_rodrigues) e a impressão da Grafmarques (@grafmarques). O convite partiu dos pais do noivo, Marcus e Sandra, amizades dos tempos de infância e adolescência.
MANGABEIRAS, ANOS 50/60
Nossa amizade de infância remete ao bairro de Mangabeiras, então área rural de Maceió, cujo limite com a zona urbana era a “Corrente”, o posto fiscal que conferia as cargas transportadas pela única via utilizável por caminhões e assemelhados no tráfego entre a capital e o Litoral Norte de Alagoas. O transporte intermunicipal de passageiros nessa rota ficava à cargo da “Sopa da Saúde”, ou “Sopa de Paripueira”. Sopa era sinônimo de ônibus. Da Corrente para o Norte, o piso da estrada era barro batido, poeirento no verão e lamaceiro no inverno; da Corrente para o Centro, a via era pavimentada a paralelepípedos e, antes dos anos 60, suportava uma linha de bonde. A Corrente ficava, mais ou menos, se não me falha a memória, nas imediações da atual Igreja Universal. Foi neste posto fiscal que meu pai, Hermílio Inocêncio de Oliveira, o Seu Miro, conheceu minha mãe, Dona Nia, Eunizze Lins da Silva (com dois z, como ela detestava ter de repetir). Nasci em 1957, Elcio em 1958 e Nide em 1962.
SÍTIOS E ARES RURAIS
Mangabeiras era só sítios. Resquícios da Mata Atlântica, muitos pés de mangaba e plantações de coqueiros. Propriedades de todo o tamanho, sendo a maior delas a nesga de terra do Comendador Nogueira, com entrada na Estrada da Mangabeiras (Gustavo Paiva) e saída, por um mata-burro na cerca de arame farpado, na beira do mar de Mata-Garrote, ali perto do Sítio Jatiúca do Doutor Théo Brandão (um tico de terra quando comparado à sesmaria do vizinho Comendador). Os arruados e casas dos sítios se localizavam nas margens da pista de barro que era a Gustavo Paiva. Meu avô materno, “Major” Américo, morava num sítio (terreno hoje sobrevoado pelo Viaduto João Lyra e que se limitava com o Riacho do Sapo) e, do outro lado da rua, distante uns 100 metros, morava o “Major” Neco Viana (hoje o Supermercado Assaí) – que vem a ser o bisavô paterno do noivo cujo casamento relato. A parte frontal do sítio do Major Neco foi, depois de sua morte, dividida entre os quatro filhos homens (Aurélio, Adalgiso, Aluísio e Aurino – todos Malta de Oliveira). Aurélio viria a ser o avô do noivo, pai de Marcus Floriano (pai do noivo, Rafa) e de Márcia, Marta, Magda, Marlon, Malba e Maydil Leal de Oliveira. Sandra Torres, ainda aparentada com Marcus, integrou-se a essa turma quando começou a namorar com ele, aí pelo meio dos anos 70. Antes, às cinco filhas e dois filhos de Seu Aurélio e Dona Creusa, somou-se Dionel, sobrinho que perdera a mãe, Dona Dione, quando de seu parto. Dionel morreu muito jovem, num trágico acidente, e Marlon se foi no ano passado, de causa natural – ambos prematuramente.
A URBANIDADE MANGABEIRENSE
Depois que o governador Luiz Cavalcante (“Major Luiz” ou “Lula Rolete”), no início dos anos 60, alargou e asfaltou a velha Estrada da Mangabeiras, transformando-a em Avenida Gustavo Paiva (empresário e filantropo que tinha uma chácara no bairro e onde morreu, em 1943), a área ainda demorou a se urbanizar, coisa que só viria a acontecer, e muito rapidamente, depois da instalação do Shopping Iguatemi (hoje Maceió Shopping), no começo dos anos 90. Até os anos 80, os sítios seguiam como a característica do bairro. Num deles, onde antes funcionava o Aeroclube de Maceió, havia sido construído, ainda nos anos 60, o Conjunto Castelo Branco, primeiro grande grupo de prédios habitacionais edificado em Maceió, mas que seguiu ilhado por sítios até os anos 90. Numa pequena propriedade morava Dona Ester e sua família, fabricantes do melhor doce artesanal do mundo. E tinha a Venda do Seu Tino, a única da redondeza, até os anos 70. Para a garotada moradora da Mangabeiras, a vida seguia praticamente rural, com idas à praia em longas caminhadas – cujo trajeto mais confortável era atravessar a sesmaria do Comendador Nogueira (hoje o Stella Maris) e alcançar a Praia do Mata-Garrote, que só virou “Jatiúca” depois que o Hotel Altesa adotou esse nome. As farras eram, discretas, nas casas de família no bairro, ou – mais encorpadas – no bar “O Cafona” (montado no Posto Texaco Mangabeiras, depois Posto Extra). Frequentávamos bailes na Portuguesa e no Iate (alcançáveis, na ida, de ônibus, mas a volta era à pé, madrugada a dentro) e tirávamos a barriga da miséria cervejeira em aniversários e casamentos.
PARA RAFA E BELLA
Depois dessas longas – e muito resumidas – recordações, resta dirigir umas palavras à Bella e Rafa. Em primeiro lugar, agradecer à recepção de vocês dois ao desenho que decorreu do convite que me foi formulado por Marcus e Sandra. Agradecer à dedicatória que vocês dois escreveram no meu exemplar do cordel. Agradecer por sermos incluídos (eu e Olga) no grupo familiar que acompanhou a cerimônia. Agradecer a oportunidade de relembrar tempos felizes vividos há mais de meio século. E mais: na Mangabeiras antiga, no sítio do Major Neco Viana, havia um alambique, ficava no oitão esquerdo do casarão, meio disfarçado entre as árvores. Manufatura rústica e muito eficiente na produção de uma cachaça poderosa sem nome de batismo, líquido tão anônimo quanto incendiário, que os garotos eram proibidos de provar, mas vez ou outra bebericávamos uns goles que desciam como fogo goela abaixo e eram denunciados pela tosse e lágrimas nos olhos. A tradição cervejeira de vocês – Marcus Filho e Rafael, hoje exposta na Toca do Calango, portanto, não surgiu do nada. Evoluiu e se sofisticou, mudando do destilado para o fermentado e evoluindo para sabores incríveis, consistentes, sem tossidas nem olhos marejados, disponíveis ao público em várias denominações da Caatinga Rocks, batizadas pelas características de cada fórmula. Enfim: para vocês dois, Rafa e Bella, colhidas nesse baú de memórias, vão para vocês, em lembranças do coração, as rosas e as romãs que Dona Creusa cultivava no jardim da casa dela. Toda a felicidade do mundo para vocês.
Meus tributos (além dos recém-casados) para Marcus, Sandra, Nane, Silvana, Xande, Dona Lívia, Marcus filho, Rafa, Carol, Márcia, Marta, Magda, Malba, Maydil, João Victor – só para ficar na primeira geração das casas de Seu Aurélio e Dona Creusa, e de Seu Aloísio (in memoriam) e Dona Lívia (na Serra Verde). Saudades dos contemporâneos Dionel e Marlon. Noutro dia, com ou sem evento a estimular, espero publicar mais memórias sobre a Mangabeiras rural e sua escassa população.