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Ariano Suassuna, o intérprete do Nordeste mais profundo

Por Enio Lins 26/07/2024
Teatro de Bolso Lima Filho, 4 de maio de 1995
Fotos: Teatro de Bolso Lima Filho, 4 de maio de 1995

Com justas razões, no dia 23, a mídia ficou recheada de reportagens, postagens, memes, e tudo mais disponibilizado pelos mundos digital e analógico, tendo como pauta Ariano Suassuna. Era a passagem da primeira década de falecimento do genial paraibano, morto de morte morrida no Recife, aos 87 anos, em 23 de agosto de 2014.

MEMÓRIAS ARIANAS

Em 1995, Ariano Suassuna fez uma das suas várias visitas à Alagoas. A proposta inicial era uma aula-espetáculo para um público genérico, sob convite da Secretaria Estadual de Cultura. Mas ele aceitou proferir mais uma palestra noutro ambiente, desta vez especializado: alunos e professores do Mestrado em Letras da UFAL. Dispensou para ambas o que seria seu pró-labore. Quem teve a felicidade de assistir às duas intervenções, se encantou com abordagens inteiramente distintas, em dois espetáculos bem diferentes. Num, o Ariano popular, tipo cordel, trajado como uma espécie de João Grilo, conduzindo a multidão presente por uma via de risos; noutro um Ariano erudito, shakespeareano, denso, levando a audiência às lágrimas.

NO LIMA FILHO

No Teatro de Bolso Lima Filho (feliz denominação que rebatizara, ainda no tempo de Bráulio Leite Júnior, o histórico Auditório da Rádio Difusora), no primeiro andar do casarão na Rua Pedro Monteiro, então sede da SECULT, a aula-espetáculo foi proferida na noite de 4 de maio e percorreu a trilha comum da fórmula arianista mais popular – que podia ser repetida mil vezes para as mesmas pessoas e o sucesso se repetiria mil vezes: humor mordaz, brilhante, entremeado de formulações filosóficas, espicaçando modismos e estrangeirismos, até passando para quem não prestasse a devida atenção uma certa anglofobia, quando ironizava o culto ao modo de vida “Made in Disneylândia”, alcançando até a crítica contundente às descaracterizações culturais, como no caso recorrente dos prenomes pessoais inventados pela junção aleatória de consoantes duplas, “dáblius” e “ípsilones”. Todo mundo morria de rir a cada historinha.

NA UFAL

Na manhã seguinte, 5 de maio, no Auditório do CHLA, brilhou outro Ariano, tão exuberante quanto. Iniciou sua preleção dizendo que, quando jovem, considerava a língua inglesa a mais perfeita no mundo; e acreditava, por exemplo, que Shakespeare perdia substância em traduções. Recitou – de cor – trechos de Hamlet em escorreito inglês britânico, esgrimindo teses consubstanciadas: “Vejam bem, no original, o príncipe, angustiado, brada: ‘Blood! Blood!’ e isso tem uma força fonética que não pode ser substituída por ‘Sangue! Sangue!’”. E, em seguida, brande a antítese: “tudo mudou quando li o Padre Antônio Vieira, e, num estalo, entendi que cada língua tem sua beleza e o português é fantástico. Prestem atenção no Sermão das Cinzas”, e repetiu – de cor – vários parágrafos de um dos sermões mais belos de Vieira. Na sala superlotada não se ouvia um suspiro, era tão-somente o silêncio reverencial. Quando ele falou sobre as raízes da cultura alagoana (exibindo fotos do Auto dos Guerreiros), muita gente suspirou e se mexeu para enxugar as lágrimas. Ovacionado ao finalizar, o mestre do humor do dia anterior tinha os olhos marejados, assim como quase todas as pessoas presentes.
Esses eram Ariano Suassuna: picaresco e erudito, agitador e formulador, teórico e prático, humorista e dramático, polêmico e conciliador, nacionalista e universal, pesquisador e ficcionista, conservador em vários aspectos e forte aliado da esquerda, bom de prosa e verso, exuberante no palco – e, além de tudo, artista plástico de talento.0

Salve Ariano Suassuna, o maior intérprete da nordestinidade!

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