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Aflorando imagens, vida e reflexões dos bairros em afundamento

Por Enio Lins 17/08/2023

Gardênia Nascimento nasceu já morando no Pinheiro, como ela diz. Experimentou uns poucos anos fora da área, mas retornou logo, vivendo lá até 2021, quando foi forçada, juntamente com uma legião de moradores, a buscar outro pouso. Tornou-se mais uma retirante da terra ressecada pela ameaça de afundamento por conta da extração de sal-gema.

Estudou no CEPA, o Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas. Teve formação religiosa na Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, situada na Rua Coronel Lima Rocha, cursou Arquitetura e Urbanismo na UFAL, indo do Pinheiro ao Tabuleiro sem escalas, todos os dias, durante quatro anos. Morava com os pais na Rua Miguel Palmeira.

Suas duas filhas, Betina e Lívia, também cresceram no Pinheiro. A tríade feminina e feminista se instalou na Rua Sargento Aldo Almeida, onde a Arquiteta e mãe exercitou, com sucesso, sua profissão no projeto e construção, num lote estreito, de uma casa extremamente racional e funcional – para três mulheres (ou melhor, duas meninas e uma mulher).

De uma hora para outra, esse universo sumiu. A ambiência urbana, a cumplicidade com as ruas, calçadas, praças, a intimidade com a vizinhança, as feiras nas mercearias da redondeza, os cafés na Padaria Belo Horizonte, as macarronadas no Lira, os caldinhos do Vieira – desapareceram. Tudo que era sólido se desmanchou no ar.

RESPOSTA INOVADORA

Dessa perplexidade, a Arquiteta resolveu ir além e mais fundo que os meritórios protestos contra o desastre ambiental, urbano e humano da evacuação dos bairros em afundamento. Numa bela ideia a partir da necessidade de um trabalho acadêmico, decidiu fazer seu dever de casa num formato inovador e participativo.

Mestranda do Mestrado Profissional em Preservação Cultural, ministrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), órgão do qual é servidora concursada, Gardênia Nascimento resolveu ir além de uma tese, e ampliou o conceito para uma intervenção ampla, diversificada e literalmente fora da caixa.

Não se limitando à exposição propriamente dita, o projeto “Aqui morava uma família”, além das fotos, compreende ações multidisciplinares, congregando oficinas, performances, palestras e live. Idealizado e organizado por Gardênia, conta com a curadoria de Jorge Vieira e Dilma de Carvalho. Nelson Braga assina o projeto expográfico e as fotografias são de Arthur Celso, Ana Paula, Carlos Eduardo, Deth Nascimento e Dilma de Carvalho. Yara Pão e Levy Paz respondem pelos grafites.

Num resumo do projeto, a idealizadora explica que “a área utilizada da Casa do Patrimônio, sede do IPHAN em Maceió, é o hall principal de entrada, local de exposições temporárias, mas com intervenções muralistas que extrapolam este espaço e se estendem através de cinco banners na fachada do prédio. Nos banners estão pichados em spray: Família Pinheiro, Família Bebedouro, Família Mutange, Família Bom Parto e Família Farol (os cinco bairros afetados)”.

Segue: “a exposição terá duração de dois meses, e, durante este tempo, todas as pessoas que passarem por esta rua, poderão olhar para os banners ali colocados. A pichação dos banners foi feita no dia 22 de julho, em frente à Braskem, na praia do Sobral, com os muralistas Yara Pão e Levi, em movimentos filmados com drone, editados em vídeo de 1 minuto”.

EM CARTAZ

A exposição será aberta no dia 17 de agosto, dia do Patrimônio Cultural Brasileiro. Durante a mostra, as fotografias serão vendidas a R$ 50,00 (cinquenta reais) e o arrecadado será doado para o S.O.S Pet Pinheiro, grupo que tem se esforçado para salvar animais domésticos abandonados nos bairros hoje desertos de humanos

Na abertura será também lançado o livro digital “A cidade Engolida”, edição organizada por Natallya de Almeida Levino e Marcele Elisa Fontana, obra de acesso gratuito, que será usada como material complementar do curso de Geografia da UFAL.

SERVIÇO
Exposição – Aqui morava uma família
Casa do Patrimônio – IPHAN – Rua Sá e Albuquerque, 157, Jaraguá




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