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Joaquim Alves, o mais inquieto dos cineastas locais, se despede

Por Enio Lins 23/12/2025

JOAQUIM ALVES, jornalista, cineasta e professor universitário, se foi, aos 76 anos intensamente vividos, em 21 de dezembro. Deixa uma obra ainda não catalogada em sua inteireza, apesar do conhecimento público de muitos de seus trabalhos, especialmente na área do cinema.

HÁ COISA DE MEIO SÉCULO,
por volta de 1975, conheci Joaquim. Tempo em que ingressei na UFAL, curioso com a cena cultural alagoana. Frequentava os círculos de conversa sobre artes, cujos epicentros eram luminares como Homero, Ronaldo, Tizinha, Zé Márcio, Aline Marta (...), no teatro; Leureny, Zailton, Grupo Terra (...) na Música; Lúcia Guiomar, Arriéte Vilela, Carlos Moliterno (...), na poesia; Eliana Cavalcante, no balé; José Geraldo Marques, na cultura ampla, geral e irrestrita; Pierre Chalita era o papa como pintor e antiquário; Solange Lages e Cármen Lúcia Dantas as referências para os festivais de Marechal Deodoro e de Penedo. Na área do cinema, pontificavam Elinaldo Barros, Imanoel Caldas, Celso Brandão, Benvau Fon, Joaquim Alves.

NO FINAL DE 1979,
quando cheguei na recém-fundada Tribuna de Alagoas, ele lá estava como repórter. Eu me dedicava às ilustrações, mas dava pitacos em outras áreas, como legítimo foca. Numa conversa na redação sobre cultura, ele me convidou: “Topa me ajudar numa entrevista com Pierre Chalita?”. Concordei. Chalita nos recebeu na residência dele, no Mirante Ambrósio Lira, casarão onde morara seus pais, os libaneses Gabriel e Amine. Conversa ótima, Pierre respondeu a tudo que foi perguntado, mostrou várias peças de sua vasta coleção e falou sobre seu projeto de instalação de um museu e de que esperava apenas a concessão de um local pelo governo alagoano para tal. No cafezinho, finda a entrevista, de bom humor, o colecionador criticou a demora de Guilherme (então governador) e Divaldo na liberação do imóvel desejado. Em off. Joaquim construiu a manchete exatamente no dito em particular. Perguntei ao experiente colega de redação: “Ôxe, ele não falou isso em reservado?”. Ele respondeu: “Sim, mas sem isso a reportagem não teria graça, ficaria insossa”. Quando foi publicada, Pierre ficou indignado, me ligou e, depois de soltar os cachorros, finalizou: “Sei que isso é coisa do Joaquim, conheço ele há muito tempo. Estou ligando só para desabafar, mas a matéria ficou muito boa”.

MINHA ÚLTIMA CONVERSA 
demorada com ele foi em 2017. Joaquim apresentou o projeto de recuperação dos celuloides originais e edição final de seu longa-metragem, “Calabouço”. Produzido entre 1976 e 1977, escrito e dirigido por ele, é uma produção ousada, no estilo Pasolini, feita para chocar. Na câmera, Benvau Fon, filmando em 16 mm. No elenco, dentre outras almas pulcras daqueles tempos, Ronaldo de Andrade, Arrizete Costa, Paulo Poeta, Dário Bernardes. A proposta não prosperou ainda, para alívio dos astros e estrelas que hoje têm filhos e netos, mas é uma iniciativa necessária, pois reflete parte da imaginação underground alagoana, contestatória, há 50 anos. “Calabouço” merece ser finalizado e exibido. Assim como o média-metragem “Guenzo” (estrelado por Anilda Leão), e os demais 16 filmes de Joaquim. São imagens de uma intelectualidade rebelde, numa Maceió em transição sob os estertores de uma ditadura militar.

FERNANDO GOMES e JOÃO ADERBAL, 
intelectuais destacados e atentos, postaram no grupo de zap do IHGAL, ontem, duas lembranças sobre Joaquim. Fernando repostou um texto deste que vos escreve, que me inspirou a escrever esse artigo, mais amplo. João disponibilizou uma das derradeiras entrevistas do cineasta, feita pelo saudoso Miguel Torres, na TV Educativa (segue o link aqui). Ao indomável Joaquim Alves, meus tributos, e a renovação do meu compromisso de lutar pela recuperação e preservação de sua obra.

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