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A impunidade novamente ameaça à democracia brasileira

Por Enio Lins 18/09/2025

APROVADA A PEC DA BANDIDAGEM em duas votações na Câmara dos Deputados, e com resultados acachapantes: 353 x 134 no primeiro turno e 344 x 133 no segundo. Pela decisão, estão anuladas as conquistas da Emenda Constitucional nº 35, de 20 de dezembro de 2001. Alterações outras, perniciosas, foram acrescidas nos momentos subsequentes à dita aprovação. Quando essa imoralidade entrar em vigor, deputados e senadores poderão cometer crimes à vontade, pois só serão investigados e processados se os colegas deputados e senadores assim autorizarem. Polícia, MP, Justiça estarão de mãos atadas, e vão ter de ouvir: “Perderam, manés!”.

LEMBRAR É EDUCATIVO:
a importante mudança constitucional, realizada em 2001, foi uma resposta contra a criminalidade que buscava no mandato federal um coito. Vício antigo. Há um quarto de século, a sociedade brasileira sã se indignava com mais um despautério no uso da “imunidade parlamentar”. Foi no caso do então deputado Hildebrando da Motosserra, apelido que ganhou pelo uso desse equipamento em execuções. Coronel PM, ex-comandante da Polícia Militar do Acre, e acumulando um rosário de processos por crimes de toda natureza (formação de quadrilha, tráfico de drogas, tortura, assassinatos, chantagens, delitos eleitorais), elegeu-se deputado federal em 1998 para fugir da Justiça. Tão escandalosa era a coisa que o Deputado da Motosserra teve o mandato cassado e, finalmente, foi julgado e condenado. Tão impactante foi repercussão do caso Hildebrando pelo uso criminoso do disposto no então artigo 35 da Constituição Federal, que, dois anos depois, em 2001, foi aprovada a modificação que vigora até hoje e que foi derrubada anteontem pela Câmara Federal.

IMPUNIDADE É O SONHO
mais antigo de todo criminoso, ou pretendente a cometer um crime. Impunidade não é sinônimo de imunidade. Imunidade é prerrogativa – justíssima – de ter o mandato e a integridade pessoal sob proteção contra arbitrariedades e ataques políticos. A imunidade garante o exercício do mandato em questões essenciais como a liberdade de fazer denúncias. Assegura o direito de opinião, mas não protege o denunciante dos crimes de calúnia e difamação (por exemplo). A imunidade parlamentar não isenta o parlamentar da investigação sobre crimes comuns, como quer quem almeja um mandato como garantia do cometimento de delitos sem que a polícia e a Justiça venham meter o bedelho – e isso é o que a PEC aprovada antes de ontem assegura.

NÃO SE TRATA DE EMBATE
entre governo e oposição, nem luta restrita à badalada “polarização esquerda x direita”: Deputados do PT, PDT, PSB e PV, siglas ululantemente alinhadas como o governo e com as esquerdas, votaram a favor da PEC da Bandidagem, assim como 42% da bancada do PSD (tido como centro-direita, ou direita) votou contra. Isso porque se trata, além das motivações pontuais, de um conceito ideológico relativo à concepção do poder individual de quem ocupa uma posição parlamentar. É, igualmente, a defesa do privilégio da pessoa eleita em relação ao resto do povo, é manifestação do espírito de corpo (só o grupo decide os destinos dos integrantes do grupo). É entendimento de que um poder está acima dos demais (no caso, nem Judiciário nem Executivo, nessa compreensão, podem “se meter” com o Parlamento). O resultado, prático, é que quem tiver disposição para cometer crimes, o Congresso Nacional volta a ser o melhor dos esconderijos. O texto agora segue para a votação no Senado...

COBRA-SE DO SENADO 
a recusa à tal alteração constitucional. Cobra-se do PT, do PDT, do PSB e de todas as siglas que defendam a ética e combatam os privilégios, o enquadramento de seus parlamentares quando da votação senatorial. Segundo os especialistas, não cabe sanção ou veto presidencial às PECs (conforme aventei anteriormente). Finalizo essas linhas de agora com meus aplausos para os deputados Daniel Barbosa e Paulão, únicos da bancada alagoana na Câmara Federal que votaram contra essa aberração. E endereço meus apelos de cidadão aos senadores Renan Calheiros e Fernando Farias, e à senadora Eudócia Caldas, para que votem em bloco contra essa imoralidade.

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