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Fux, the fox: uma raposice velha e com muitas lições

É IMPORTANTE O VOTO de Fux, sim. Patético e pomposo. Peroração estendida por cerca de 14 horas, com 429 páginas lidas, numa maratona de grandiloquentes odes à impunibilidade para determinado tipo de gente. Absolvição seletiva, apenas para a elite do sistema delinquente, destaque-se. Mas é justo reconhecer um ponto positivo na cantilena da citada excelência: desmonta a tese de que o julgamento dos golpistas no STF é um jogo de cartas marcadas, desmoraliza a falácia da “justiça de um homem só”. Isto é o principal, embora outras lições estejam presentes, com muita força, naquela declaração de amor mais profundo ao golpismo brasileiro.
CONTRADIÇÃO, OPORTUNISMO, EXIBICIONISMO formam o tripé de um voto capaz de: 1) ser incongruente em questões como a propriedade da corte para apreciar a demanda, e o histórico de punibilidade do magistrado; 2) demonstrar a meta de tornar-se ídolo (um mito?) para milhões de corações golpistas até então ao desabrigo; 3) amostrar-se para o mundo como a toga distinta das demais, capaz de dar uma tunga na Constituição. Indicado por Dilma Rousseff, Fux - num movimento aparentemente digno de raposas velhas da política - parece que tentou pular à frente dos herdeiros naturais do capitão de milícias – superando, em passionalidade, os próprios advogados de defesa constituídos pelos réus para o processo em tela.
RICARDO CORRÊA, no Estadão (coluna Traduzindo a Política), enfiou o dedo numa das feridas do voto divergente: “Há um ano, ao condenar Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar e Matheus Lima de Carvalho Lázaro a penas que variavam de 14 a 17 anos de prisão, Fux contestou o choro de uma defensora na tribuna. ‘Se esse golpe desse certo, chorariam de novo as mães de há muito que sequer souberam do destino de seus filhos que foram mortos e perseguidos por delitos de união’, disse ele ao acompanhar Moraes”. Didático, explica aquele colunista: “Os três foram os primeiros condenados pelo STF pelos atos de 8 de Janeiro. Na época, os cinco crimes imputados eram os mesmos agora apontados para o núcleo crucial. Inclusive o de golpe de Estado. Fux, com voto curto e sem discutir o mérito, acompanhou integralmente o relator. Também não acolheu qualquer preliminar, mesmo que ali não houvesse ninguém com foro privilegiado”. É exatamente isso: a constitucionalidade fuxiana é seletiva. Para aquele ministro, o mesmo fundamento serve para punir pilombeta e para perdoar piranha. Antes de passar a mão na cabeça de Jair B e dos principais acusados pelo planejamento e comando da tentativa de golpe, Fux validou a competência do STF e condenou réus (rezes bolsonaristas não-célebres) em pelo menos 672 julgamentos dos envolvidos na intentona de 8 de janeiro.
DENTRE OS PARADOXOS do posicionamento fuxiano, se destaca a condenação de quem tentou colaborar com a Justiça (Mauro Cid) e se arriscou a fornecer provas contra a quadrilha golpista, combinada com a proposta de absolvição dos chefes do bando (Jair B e um magote de potentados). No mesmo voto! Uma impactante indicação de que não vale a pena colaborar com a Justiça quando o chefe da quadrilha é poderoso. Além do coronel Mauro Cid, Fux não perdeu um fio da cabeleira ao condenar também o general Braga Netto pelo mesmo crime que ele (Fux) jura não ser de competência da Corte. No mesmo voto! E pediu também a anulação do julgamento! No mesmo voto...
EM RESUMO, a trairagem do encabelado ministro desnuda uma das mais antigas tradições brasileiras: a da cumplicidade entre as elites para perdoar golpes fracassados até que, mais cedo ou mais tarde, o crime – tentado novamente – se concretize. A diferença, neste processo em curso, é a teimosia e a coragem de magistrados dispostos a quebrar essa regra de ouro da impunidade nacional. Ah, sim, este texto está sendo escrito antes do voto da ministra Cármen Lúcia e do ministro Zanin. Voltaremos ao tema, não tenham dúvida.