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E o corrompível voto impresso se mexe para sair do túmulo

DE GOLPINHO E EM GOLPINHO, a galinha verde enche o papinho. A aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de uma proposta de lei para alterar a legislação eleitoral é um golpinho grande. Taludo. Essa animália não se criou ainda, pois precisa de aprovação no plenário, sanção presidencial etc., mas é – desde agora – uma rasteira ética no arcabouço jurídico que rege as eleições no Brasil.
GALINHA VERDE era o apelido depreciativo para o fascismo brasileiro, autobatizado como “Integralismo”, nos anos 1930. O verde era a cor de suas camisas, opção cromática para tentar alguma originalidade frente ao pardo e ao negro próprios dos trajes de nazistas alemães e de fascistas italianos (ambos tinham a águia como animal-patrono, daí a galinha foi imposta aos integralistas como gozação das forças democráticas brasileiras). Uso-a aqui como figura de linguagem, mas a atual extrema-direita, bolsonarista, é indigna de ser comparada a qualquer galináceo. Nenhum animal merece isso. Esse grupamento procura jair enchendo o papo, ciscando, bicando um novo golpe. Bicadas de pequeno porte, umas, e outras de grande ousadia, como o 8 de janeiro de 2023. Nesse esforço democraticida, essas mudanças que tentam emplacar no Código Eleitoral, se efetivadas, passarão de golpinho (no patamar CCJ) para golpázio.
“AUDITAR” O VOTO ALHEIO é o sonho de consumo de todo corruptor. Isso existiu durante longo período na história brasileira, com antigos sistemas viciados em drogas pesadas como, por exemplo, o “voto bico de pena” e o “voto ao portador”. Na primeira modalidade o dono do curral registrava, por sua própria caneta (pena), os sufrágios em sua área de poder; no segundo figurino, o eleitor recebia uma cédula em branco antes da eleição e a levava preenchida até a urna. Ambos os modelos garantiam o voto de cabresto. O eleitor era controlado sem quaisquer segredos. Apenas em 1932 – quatrocentos anos depois das primeiras votações no Brasil (iniciadas quando colônia portuguesa, em 1532) – foi garantido o voto secreto. Ir até a “cabine indevassável” e dar seu voto longe dos olhares do coronelato foi um avanço importante. Mas os senhores engenhosos criaram formas de moer também esse voto secreto, impresso, e voltaram a corromper o processo, como fazem até hoje em muitos países, inclusive nos Estados Unidos. O Brasil, com a Urna Eletrônica, a partir de 1996, operou o maior avanço democrático no mundo contemporâneo, garantido a lisura dos procedimentos e a inviolabilidade do voto. É isso que os retrógrados querem atropelar, engatando uma marcha ré.
DUVIDAI DA VULNERABILIDADE do voto impresso? Basta consultar os acontecimentos na eleição de 1990 em Alagoas. Caso não se lembre, ou não tenha acompanhado na época, busque na internet. O site Cada Minuto disponibiliza excelente artigo do pesquisador Marcelo Bastos pelo link cadaminuto. Qualquer brecha que seja aberta no atual sistema do voto eletrônico– efetivamente inviolável – possibilitará aos corruptores de plantão uma oportunidade de ouro para retomar as práticas de manipulação eleitoral. Reerguerão as cercas dos currais eleitorais. Qualquer modalidade do voto em papel é susceptível à fraude. No passado, para cada instrumento criado em defesa da lisura do hoje finado voto impresso, os fraudadores inventavam um antídoto, e assim criaram o “voto formiguinha” e o “voto carbono”, por exemplo. Isso sem falar nas “urnas emprenhadas”, na troca de urnas, no “mapismo”, e outras criatividades criminosas. Restaurar esse circo dos horrores é a meta dos defensores do retrocesso. A proposta aprovada na CCJ é apenas mais uma tentativa de golpe, agora tentando abrir frestas, fragilizando o eficiente sistema eleitoral brasileiro frente à velha fraude e às milícias contemporâneas.