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Ainda estou aqui torcendo por mais, mas Ainda Estou Aqui é o grande campeão

Por Enio Lins 04/01/2025

ÀS VÉSPERAS da solenidade da premiação Globo de Ouro, me parece o momento certo para cometer umas palavras sobre o filme “Ainda Estou Aqui”, finalista nas categorias “Melhor Filme de Língua Não-Inglesa” e “Melhor Atriz”. Melhor dizer agora, antes de saber o resultado: o filme, o tema, a atriz/personagem e o diretor são grandes vitoriosos – independente de prêmios. É irreversível o tremendo sucesso nacional e internacional da produção dirigida por Walter Salles. Esta é a vitória.

CRIADO EM 1944
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o Globo de Ouro é outorgado pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood para os principais destaques no cinema e TV. Em termos de prestígio mundial é um prêmio só superado pelo Oscar. Lembra o site terra.com.br que, há 20 anos, um filme com assinatura brasileira não frequentava essa festa, desde a indicação de “Diários de Motocicleta”, numa parceria internacional entre o Brasil e mais sete países sob a direção de Walter Sales, em 2004. Nenhum ator ou atriz do Brasil conseguiu ganhar o prêmio. Sônia Braga teve três indicações para Melhor Atriz Coadjuvante: 1986 (O Beijo da Mulher Aranha), 1989 (Luar Sobre Parador) e 1995 (Amazônia em Chamas). Daniel Benzali e Wagner Moura foram indicados, respectivamente, pelas séries americanas Murder One (1996) e Narcos (2006). Fernanda Montenegro, e Fernanda Torres, mãe e filha são, até agora, as duas únicas brasileiras indicadas como Melhor Atriz no Globo de Ouro: Fernanda Montenegro em Central do Brasil, em 1998 (Cate Blanchett levou o troféu) e Fernanda Torres em Ainda Estou Aqui (2024), ambos os filmes dirigidos por quem? Walter Salles. Central do Brasil venceu o Globo de Ouro 1999 na categoria de Melhor Filme em Língua não-Inglesa. E também venceu, no mesmo ano, o BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) de melhor filme estrangeiro.

AINDA ESTOU AQUI
é um sucesso consagrado, uma vitória tamanha que nem precisa vencer mais prêmios para fazer história. Já fez, e em grande estilo. Se vierem o Globo de Ouro e o Oscar, maravilha! Soem os clarins e ruflem os atabaques! Se não, não farão diferença. O filme está cumprindo seu papel artístico, cultural e cidadão, superando as expectativas e recolocando em pauta uma tragédia brasileira que nunca poderá ser esquecida, que é a ditadura militar implantada em 1º de abril de 1964. Muitos filmes excelentes foram feitos sobre os anos de chumbo (Pra Frente Brasil, O Bom Burguês, Lamarca, Marighella, O Que é Isso Companheiro?...), mas esse filme de Walter Salles tem um mérito especial: ele consegue reproduzir o terror ditatorial sem usar as linguagens típicas das militâncias. A heroína é uma mulher que não militava em nenhum grupo, como Zuzu Algel, não tinha pretensões de mudar o mundo, até ver seu mundo cair.

EUNICE PAIVA
era uma mãe de família que testemunhou o marido ser raptado, à luz do dia, por agentes da ditadura, em 1971, e nunca mais teve notícias dele. Morreu sem saber onde o corpo de Rubens Paiva foi descartado. Eunice nunca se acovardou, nem se intimidou, mesmo quando foi injusta e covardemente presa, juntamente com a filha de 15 anos. Renovou-se, transformou o luto em luta, esmerou-se na defesa dos direitos humanos e na denúncia do autoritarismo, tornou-se referência da causa dos povos originários. Apenas a Doença de Alzheimer a deteve. Em 2015, quando seu filho Marcelo Rubens Paiva lançou sua biografia, no livro "Ainda Estou Aqui", ela não tinha mais condições de entender a obra na qual sua luta era o centro da narração. Morta em 2018, aos 89 anos, a brava Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva viverá para sempre em “Ainda Estou Aqui”. O filme foi visto por mais de 2,6 milhões de pessoas apenas nas primeiras seis semanas de exibição. De um investimento de R$ 8 milhões, arrecadou R$ 62,9 milhões em menos de dois meses, estimulando novas produções no mesmo rumo. Globo de Ouro? Oscar? Querendo vir, serão muito bem recebidos. Festejados. Mas não vindo, tudo bem. O Brasil já ganhou.

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