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Muito além das páginas policiais: o cangaço como fato cultural e econômico
É o Cangaço parte integrante da formação brasileira. Foi uma versão nordestina dos sobreviventes na terra sem lei nem rei, mas com fé na violência como método de participação numa sociedade violenta, desigual e profundamente injusta. O termo “cangaceiro” se faz presente desde 1834, rotulando o baiano Lucas da Feira (1807/1849), escravo fugitivo que liderou seu bando na região de Feira de Santana entre 1828 e 1847. Por sua vez, o potiguar Jesuíno Brilhante (1844/1879) é a primeira celebridade nesse segmento, e o alagoano Corisco (1907/1940) é tido como o derradeiro dos cangaceiros. Mas o mais célebre e mais poderoso é o pernambucano Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898/1938), e sobre ele se concentram as luzes das pesquisas, da literatura, jornalismo, arte, cultura – e dos negócios.
ALAGOAS E O CANGAÇO
Marcante e decisiva é a presença alagoana na história do cangaço, como em outras histórias. Felizmente e/ou infelizmente, é assim. Virgulino, nativo da pernambucana Vila Bela (hoje Serra Talhada), mudou-se para Alagoas e, em 1921, seu pai (José Ferreira) foi assassinado pela polícia alagoana na propriedade da família, localizada em Santa Cruz do Deserto, município de Mata Grande (na época, Água Branca). Esse fato é tido como o motivo principal para Virgulino e seus irmãos Antônio e Levino entrarem para o cangaço, como combatentes do bando de Sinhô Pereira (1896/1979). No ano seguinte, ao se aposentar prematuramente (atendendo a pedido do Padre Cícero), Sinhô Pereira passa o comando para Lampião, cuja fama viria, rapidamente, ultrapassar os sertões e ganhar o mundo. Atuando de forma intensa e inédita, durante 17 anos, nas áreas áridas de todos os estados entre a Bahia e o Ceará, Lampião, Maria Bonita, e mais nove integrantes de seu subgrupo, são mortos em terras sergipanas por uma “volante” alagoana no raiar do dia 28 de julho de 1938. Suas cabeças e (ínfima) parte de seus pertences são expostos ao público por várias cidades num roteiro iniciado em Piranhas e concluído em Maceió, como provas incontestes do fim do cangaço e do poder nacional do Estado Novo e sua determinação em eliminar, pelos velhos métodos, quem lhe fosse inconveniente.
HISTÓRIA, CULTURA, EMPREGO E RENDA
86 anos depois da chacina na grota de Angicos, está consolidado um triângulo de paz, vivo e pujante entre a Memória do Cangaço, os perfis de Lampião & Maria Bonita, e o empreendedorismo. À essa tríade se agregam (há quase um século) não só todos os estados nordestinos, mas outras regiões, em atividades geradoras de emprego e renda nos ramos da literatura, cinema, teatro, TV, artesanato, turismo... Falta apenas Alagoas assumir seu papel de epicentro desse turbilhão cultural e econômico. Nesse rumo se destacam iniciativas como a Missa do Cangaço e o ciclo de estudos no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. A Missa do Cangaço se repete, com sucesso, há 27 anos, em iniciativa da família de Lampião e Maria Bonita, sob o comando de Expedita Ferreira (única filha do casal e ativíssima aos 92 anos) e de sua filha Vera Ferreira, que mantêm a cidade de Piranhas como a base para a missa rezada em Angicos. O ciclo de estudos do Instituto Histórico tem a parceria do SEBRAE/AL, e se viabiliza numa tríplice liderança formada por Jayme de Altavilla, Vinícius Nobre Lages e Luiz Otávio Gomes, cuja primeira edição ocorre hoje e amanhã, e já se anuncia a possibilidade de uma extensão, em breve, com a participação de Expedita e Vera Ferreira, além de mais especialistas no tema.