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Os bairros em afundamento e as histórias que vêm à tona

Por Enio Lins 06/07/2024

Neste sábado, 6 de julho, terá lugar no Jaraguá a noite de autógrafos do livro “A Fenda da Lagoa”, em ato no Carambola Lab (Rua Sá e Albuquerque, 378), das 17 às 20 horas. Trata-se de uma obra testemunhal sobre – como a autora define – “a vida que existia nos bairros em afundamento”. Essa pauta foi abordada pela Tribuna Independente na nossa edição de quinta-feira, e aqui teremos mais umas linhas sobre.

HISTÓRIAS E AFUNDAMENTO

Escrito por Lili Buarque – servidora pública, musicista e produtora cultural –, o livro é composto por 30 crônicas sobre a vivência da autora no bairro do Pinheiro e adjacências. Experiências cotidianas, banais, transformadas em cenas extraordinárias pelo fato dessas lembranças emanarem de espaços não mais habitáveis. Podemos dizer que as recordações desses bairros em afundamento são patrimônio memorial do mundo, pois o acontecido nessas áreas é objeto de interesse internacional. Afinal estamos diante “do maior crime ambiental urbano em andamento do mundo, com mais de 60 mil famílias desalojadas”, como relembra Lili. É de interesse coletivo e universal toda informação, toda reflexão sobre o desastre causado pela mineração irresponsável do sal-gema em Maceió, até para dificultar a repetição de novos crimes semelhantes em qualquer lugar do mundo. E, para além dos indispensáveis relatórios processuais, técnicos e científicos, tem peso especialíssimo os depoimentos individuais, afetivos, retratando os impactos desse incidente sobre a vida das pessoas.

DRAMA CONTINUADO

Relembra Lili: “No dia 3 de março de 2018 o chão tremeu em Maceió. Estava no bairro do Pinheiro, na casa do meu avô, nesse dia. O chão tremeu e não fazíamos ideia do que se tratava. As primeiras notícias chegaram poucas horas após o tremor. Falavam de um terremoto de 2,5 na escala Richter. Falavam de uma explosão de um duto de gás natural”. Foi assim. Os alertas sobre os riscos das cavernas artificiais, produzidas pela extração do sal pedrado, foram contestados peremptoriamente pela mineradora, através de laudos técnicos, desde os anos 80, e o perigo foi sendo criminosa e sistematicamente escondido da população. Como isso aconteceu? Apenas a empresa tinha acesso e detinha os dados reais sobre as ocorrências no subsolo – e, pasmem, ainda hoje é assim, mesmo depois do desastre inicial. Apesar do monitoramento de vários órgãos públicos, somente a Braskem domina detalhadamente os movimentos nas funduras esvaziadas das rochas de sal.

ANAMNESE COLETIVA

Só quem perdeu seu local de moradia, só quem sofreu o despejo forçado de suas raízes, só quem viu desaparecer o endereço de seu negócio, de sua escola, de seu templo, de seu hospital, pode dizer da dor dessa subtração. Mas o sumiço de bairros históricos numa cidade, em qualquer cidade, é de um impacto feroz para qualquer pessoa portadora de um mínimo de sensibilidade, mesmo para quem nunca havia ouvido falar antes de tais comunidades sumidas no mapa. Quem, mesmo sem morar nesses lugares, conheceu o Campo do Mutange, curtiu as festas de Bebedouro, fez o frevo na Praça Lucena Maranhão, frequentou o Caldinho do Vieira, transitou pela linha férrea pela beira da Lagoa Mundaú, se deliciou nos endereços originais da Macarronada do Lira e do Bar do Lula (esses dois, felizmente, salvos noutras freguesias) e outras tantas ambiências que não mais existem, entenderá, com profundidade, o escrito no livro de Lili Buarque. Quem não conheceu, conhecerá naquelas páginas algo das vivências que foram e seguem sendo engolidas pela irresponsabilidade empresarial.

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