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Uma história de ciência médica, generosidade e compromisso social

Por Enio Lins 28/05/2024

José Gonçalves Sobrinho deixou a vida para viver na memória alagoana. Médico pediatra, pesquisador, professor, humanista – um cidadão exemplar, acima de qualquer maleita. As redes sociais, ao longo do sábado, 25, veicularam bons resumos sobre esse grande personagem. Aqui vão mais algumas linhas.

SORRISO E AFETO

Aos 83 anos, Zé Gonçalves se foi. Deixa um legado valioso. Sempre sorridente e atencioso – mesmo quando a memória lhe foi sendo roubada pela doença. Sorria, segurava no braço da pessoa que começava a conversar com ele e, muito delicadamente, dizia; “Desculpe, mas não consigo me lembrar de você. Estou com esse problema agora”. Antes, jamais esqueceu de alguém, nem de suas atribuições como cidadão, médico, pesquisador e professor. Com o mesmo sorriso e a mesma afetuosidade que cuidava das crianças, dedicava-se às pesquisas e ao ensino.

LEMBRANÇAS PESSOAIS

Da minha meninice, lembro-me do então estudante de Medicina, colega e amigo da prima Dayse Lins Brêda, assim como me recordo de Zé Mendes (de Arapiraca), só para citar três que hoje são lembranças dentre aquela alegre turma que se reunia na casa de meus tios Duílio (Dudu) e Eurides (Ida), na rua Barão de Penedo. Mais tarde, já médico célebre, Zé Gonçalves me pediu uma capa para seu livro sobre desnutrição infantil no Nordeste, e sugeri uma colagem, pois – naquele tempo – não me sentia apto a desenhar algo apropriado por estar dedicado à charge, estilo que achava inadequado para a demanda. Ele topou a proposta e fiz uma rearrumação de ilustrações alheias (Eita, Zé, agora acho que deveria ter desenhado algo de próprio punho).

JORNADA ACADÊMICA

Carlos Henrique Falcão Tavares, médico pediatra, compadre e “primo por afeição e irmão adotivo por convivência com a família Gonçalves", como se define, informa que ele ingressou na Faculdade de Medicina da UFAL em 1964, logo fundou o Diretório Acadêmico naquela escola, e foi presidente do DCE (Diretório Central dos Estudantes) nos anos de chumbo, enfrentando – com a firmeza e tranquilidade de sempre – os rigores da ditadura militar. “Depois, como professor na Faculdade de Medicina, introduziu pioneiramente cursos de didática para docentes, baseado em sua própria experiência como professor de Química nos cursinhos pré-vestibulares em Maceió, área onde também foi pioneiro”. “Talento e generosidade que ele demonstrou não apenas na atividade profissional, mas em toda sua existência, com tantos quanto cruzaram com ela”, salienta Carlos Henrique, indo além: “Ele tinha o espírito livre, reagindo às adversidades da vida e às limitações corporais de forma altiva e bem-humorada”, destacando também o “olhar social, sempre alerta às dificuldades dos mais pobres, e às mazelas que a pobreza refletia na saúde das crianças. O livro com suas pesquisas sobre desnutrição infantil (exemplar hoje raro) é um clássico no Brasil”.

CORAGEM CIDADÃ

Maria Alba Correia, ativista desde os anos 60, testemunha que José Gonçalves foi, com o segredo exigido na época, um apoiador dos grupos de esquerda perseguidos pela ditadura, e nos momentos mais perigosos. "Abrigou militantes clandestinos que passavam por Alagoas, sob risco de vida, como os casais José Luiz Guedes e Nair, Aldo Arantes e Dodôra, Socorro Gomes e Chico Preto, e outros, que tiveram seus filhos cuidados por ele. Zé Gonçalves até providenciou o parto de Nair Guedes em Maceió", relembra. Salvos, décadas depois, Guedes, Arantes e Socorro retomaram suas posições de liderança nos estados de origem e chegaram a se eleger (pelo PCdoB) para a Câmara Federal por Minas, Goiás e Pará, respectivamente. 

E mais: José Maurício, jornalista brilhante e filho de José Gonçalves, está reunindo importante material sobre a vida e obra desse grande personagem alagoano, seu pai. E fundamentou os resumos biográficos veiculados desde sábado, inclusive este aqui. Zé Maurício está pronto para fornecer informações detalhadas sobre esse profissional e intelectual que Alagoas não poderá esquecer jamais. Merece um livro biográfico - e espero fazer um desenho qualquer para essa obra. Devo, não nego.

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