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A Natureza está cobrando sua conta à economia e à política

Por Enio Lins 15/05/2024

Com o recrudescimento nas chuvas sobre o Rio Grande do Sul, a tragédia gaúcha se amplia e dificulta a formulação de planos emergenciais. A realidade, lá, ainda está sob água e lama. Além da solidariedade, esta catástrofe cobra análises desapaixonadas, objetivas e científicas sobre as mudanças climáticas, o uso do solo e políticas protetoras eficientes, alinhadas com o meio-ambiente.

FALSIDADES E VERDADES

Além das águas em turbilhão, o quadro gaúcho está sob uma enchente de notícias falsas sistemática e intensamente plantadas. Isso sem falar nos erros involuntários na coleta de informações, nos equívocos de compreensão e nas conflitantes concepções que vêm à tona em grandes tragédias como a que submerge o Rio Grande do Sul. Cabeça fria e objetividade são indispensáveis neste momento para distinguir as falsidades criminosas das opiniões bem-intencionadas, mesmo que incorretas.

NATUREZA DEVASTADA

Antes das chuvas, é fato que a Natureza em toda região tem sido devastada sob a justificativa do máximo uso econômico da terra. Imagens de satélite, hoje amplamente disponíveis, mostram a gritante contradição na fronteira, com o lado argentino exibindo vastos perímetros conservados e sem inundações visíveis; no nosso lado, agora em parte submerso, vê-se uma imensidão de devastação, com praticamente toda vegetação natural eliminada para a prática intensiva e exaustiva da agricultura ou pecuária. Dá dinheiro no lado brasileiro? Sim, e muito! Mas a conta nos chega, mais cedo ou mais tarde. Sobre uma panorâmica desses dois lados da fronteira, recomenda-se uma vista ao Instagram do botânico e paisagista Ricardo Cardim (@ricardo_cardim).

SOLUÇÕES FÁCEIS E FALSAS

Pura tolice é imaginar ser possível cancelar as áreas de uso intensivo, despachar o agronegócio para a Sibéria, reflorestar a totalidade dos perímetros devastados. A produção em escala é irreversível e indispensável: só no Brasil temos 220,3 milhões de bocas para alimentar, e muitas dessas não têm o que comer todos os dias – o desafio, gigantesco e inadiável, é estabelecer limites, definir áreas estratégicas a serem recuperadas ambientalmente dentro de um cronograma preciso e cobrar dos gestores públicos e privados atenção, sob o rigor de uma legislação apropriada, às medidas protetivas inadiáveis. Pois é, não é fácil mesmo. Mas trata-se de uma questão de vida ou morte, exigindo iniciativas urgentes-urgentíssimas cujas respostas só virão no médio e longo prazo. Não existe mais tempo a perder, e novos invernos virão.

LÁ E CÁ, OS MESMOS CRIMES AMBIENTAIS

Tendo castigado por ora o Rio Grande do Sul, esse flagelo dos desastres naturais turbinados pelas agressões humanas ao meio-ambiente não é malefício exclusivo gaúcho. Alagoas muito já sofreu e sofre desse mesmo mal, com enchentes periodicamente agravadas pelo descaso ambiental que praticamente eliminou as matas ciliares e pela desregrada ocupação urbana e rural em todo nosso território. Os antigos intervalos de 10/12 anos entre as grandes cheias descidas pelos vales do Paraíba do Meio e do Mundaú, na Região da Mata, e pelo sertanejo e plano Ipanema, têm tido esses prazos encolhidos. Exemplos? A Lagoa Manguaba sofreu duas grandes cheias com apenas cinco anos entre uma e outra (2017 e 2022); a orla de Maceió tem cobrado os espaços tomados pela urbanização imprevidente (especialmente nas praias de Jatiúca e Pontal).

Enfim: não é fácil, nem simples, nem barato, mas é melhor as forças econômicas e políticas investirem o quanto antes em um arranjo produtivo com a Natureza.

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